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31 de out. de 2008

D. João VI


João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael - o futuro D. João VI - nasceu em 13 de maio de 1767, no Palácio Real da Ajuda, nas cercanias de Lisboa, e morreu em 10 de março de 1826, no Paço da Bemposta, na mesma cidade,com quase 59 anos de idade.

Como príncipe ou rei, nos 34 anos de seu governo (1792-1826), D. João foi personagem da história luso-brasileira em diversos momentos significativos. Ele participou de vários acontecimentos, freqüentemente analisados pela historiografia como: a transferência da Corte portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos brasileiros às nações amigas (1808); a assinatura dos tratados de comércio com a Inglaterra (1810); a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves (1815); a repressão militar à Revolta Pernambucana (1817); o retorno da família real a Portugal (1821); o reconhecimento da independência política do Brasil (1825), proclamada em 1822, por seu filho, D. Pedro I.
Para efeito de análise, dividimos a vida de D. João em três grandes fases:

A primeira desenvolve-se em Portugal, entre 1767 e 1807, e é marcada por episódios como seu casamento com a infanta da Espanha, D. Carlota Joaquina (8 de maio de 1785) e pela morte de seu irmão primogênito, D. José - tornando D. João o herdeiro da Coroa com o título de Príncipe do Brasil. Em função da doença mental de sua mãe, D. Maria I, ele assumiu a regência em nome da rainha em 10 de fevereiro de 1792. Posteriormente, em 13 de julho de 1799, tornou-se príncipe-regente em nome próprio, um ano depois do nascimento de seu filho Pedro de Alcântara (mais tarde Pedro I do Brasil e Pedro IV de Portugal). Ainda nesta primeira fase de sua vida, nasceu o filho infante D. Miguel (em 26 de outubro de 1802).Em 29 de novembro de 1807, o exército francês, comandado por Junot, invadiu Portugal; quase simultaneamente à retirada da Corte lusa para o Brasil, indo D. João e D Maria I a bordo da nau Príncipe Real.

A segunda fase da periodização corresponde à permanência da Corte no Brasil (1808-1821), quando a ex-colônia brasileira se converteu em sede da monarquia. Em janeiro de 1808, D. João aportou na Bahia, onde assinou uma Carta Régia abrindo os portos brasileiros ao comércio com as nações amigas. No mês seguinte, ele e sua Corte partiram em direção ao Rio de Janeiro, aonde chegaram a 7 de março. Na nova capital, o príncipe-regente tomou várias medidas: revogou a proibição das manufaturas no Brasil (1º de abril); criou o Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens (22 de abril), a Casa da Suplicação do Brasil, a Intendência Geral da Polícia (10 de maio), a Impressão Régia (13 de maio), a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação (23 de agosto) e o Banco do Brasil (12 de outubro). Os anos seguintes de sua permanência no Brasil foram marcados pela assinatura dos tratados com a Grã-Bretanha (de Amizade e Aliança e de Comércio e Navegação, em 19 de fevereiro de 1810) e pela elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves (16 de dezembro de 1815).

Com a morte da rainha, em 20 de março de 1816, sucedeu-lhe com o título de D. João VI, sendo coroado no Rio de Janeiro em 6 de fevereiro de 1818, como o 27º rei de Portugal e o 1º do Reino Unido. No campo militar, seu governo enfrentou uma revolta em Pernambuco em 1817, determinou a ocupação da Guiana Francesa em 1808 (abandonada em 1817) e anexou a Cisplatina em 1821, em represália ao auxílio dado pelos espanhóis à invasão francesa de Portugal.

Um movimento iniciado no Porto, em 1820, levou à promulgação de um decreto determinando o regresso de D. Pedro a Portugal e convocando os procuradores eleitos pelas Câmaras do Brasil, Açores, Madeira e Cabo Verde para uma Junta de Cortes. A adesão das tropas do Reino ao movimento levou D. João VI a prestar juramento à futura Constituição portuguesa em fevereiro de 1821, pouco antes da nomeação de D. Pedro como regente do Brasil. Em 26 de abril de 1821, D. João e sua Corte deixam o Brasil, retornando a Portugal.

Por fim, a terceira fase (1821-1826) refere-se ao regresso de D. João VI a Portugal, sob a exigência do constitucionalismo portuense, e inclui episódios como a promulgação da Constituição portuguesa (23 de setembro de 1822), o enfrentamento das sublevações encabeçadas por D. Miguel (Vilafrancada, em 1823, e Abrilada, em abril de 1824) e o reconhecimento da independência política do Brasil (1825).

Objeto de estudos de portugueses e brasileiros, o período joanino se presta a análises comparativas das interpretações de diversos historiadores, construídas em diferentes perspectivas. Vejamos um exemplo dessas diferenças.

Na obra Evolução política do Brasil (1ª ed.: 1933), o historiador brasileiro Caio Prado Júnior observou que, se os marcos cronológicos não se estribassem em aspectos externos e formais, a independência brasileira poderia ser assinalada pela transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808. Na análise de Caio Prado, ao instalar no Brasil a sede da monarquia e ao tomar medidas de grande impacto político e econômico (como a abertura dos portos), D. João aboliu efetivamente o regime colonial. E mais: promoveu uma inversão de papéis entre Brasil e Portugal, em que a antiga colônia transformava-se em sede do governo metropolitano.

Estabelecendo no Brasil a sede da monarquia, o Regente aboliu ipso facto o regime de colônia em que o país até então vivera. Todos os caracterres de tal regime desapareceram, restando apenas a circunstância de continuar à sua frente um governo estranho. São abolidas, uma atrás da outra, as velhas engrenagens da administração colonial, e substituídas por outras já de uma nação soberana. Caem as restrições econômicas e passam para um primeiro plano das cogitações políticas do governo os interesses do país. São esses os efeitos diretos e imediatos da chegada da Corte. Naquele mesmo ano de 1808 são adotadas mais ou menos todas as medidas que mesmo um governo propriamente nacional não poderia ultrapassar. (PRADO Jr., 1979, p. 43.)

Em vez de uma perspectiva de "emancipação brasileira", os efeitos da instalação da Corte joanina no Rio de Janeiro podem ser focalizados pelo ângulo da crise que provocou em Portugal. Nesse sentido, o historiador português José Hermano Saraiva (2001, p. 274) sintetizou:

O Brasil constituía então uma base essencial da economia portuguesa. A nossa exportação era quase toda (exceptuando o vinho do Porto) canalizada para os portos brasileiros; a nossa importação vinha quase toda do Brasil; as matérias-primas tropicais faziam escala em Lisboa e daqui eram reexportadas para o exterior. Todo comércio dependia desse sistema e desse tráfico vivia a marinha mercante. A emancipação econômica do Brasil teve portanto conseqüências graves na economia portuguesa. A antiga colônia passara, em poucos anos, de fonte de rendimento a fonte de despesa. Muitos dos nobres instalados na corte do Rio viviam à custa dos bens que possuíam em Portugal.

Assim, a política joanina de romper antigas subordinações do Brasil em relação à Metrópole provocou crises em Portugal. Em razão das contradições entre Colônia e Metrópole, as medidas que "libertavam" o Brasil desse sistema de exploração colonial "sufocavam", em contrapartida, Portugal.

fonte: Gilberto Cotrim. Professor de História pela USP. Mestre em Educação e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Autor de História Global pela Editora Saraiva.

Ex-agente da CIA relata momentos finais de Che


Félix Rodríguez entrou para a história como o agente da CIA (a agência de inteligência americana) que ajudou a capturar Che Guevara na Bolívia.

Anticomunista, de origem cubana, Rodríguez também participou da invasão da Baía de Cochinos.

Nesta entrevista, concedida ao repórter da BBC José Baig, Rodríguez fala sobre as últimas horas do líder revolucionário.

BBC - Como foi o seu primeiro encontro com Che, após a sua captura?

Félix Rodríguez - O primeiro encontro foi quando eu acompanhei o coronel boliviano Joaquín Centeno, como assessor, até o local onde Che estava. Ele viu Che, que estava deitado, com as mãos e os pés amarrados, ficou olhando para ele e disse: "Che Guevara, venho falar com você".

Ele (Che) então olhou para mim do chão e me disse, de forma arrogante: "A mim não se interroga".

Eu, em seguida, lhe disse: "Comandante, eu não vim interrogá-lo. Nossas idéias são diferentes, mas eu o admiro. O senhor está aqui porque crê em seus ideais, ainda que para mim eles estejam equivocados. Eu vim conversar com o senhor".

Che ficou me olhando por um tempo, para ver se eu estava rindo. Quando viu que eu estava sério, me disse: "Pode soltar as amarras? Posso me sentar?".

Chamei um soldado que estava fora e disse: "Por favor, tire as amarras do comandante Guevara".

Então começamos a conversar sobre diferentes assuntos. É claro que, quando eu tocava em assuntos de interesse tático para nós, ele sorria para mim e dizia: "O senhor sabe que não posso responder isso".

BBC - Por que esse respeito que o senhor demonstra pelo inimigo?

Rodríguez - Olha, quando cheguei, meus sentimentos eram mistos. Primeiro, sabia que ele havia sido uma pessoa extremamente cruel.

Há histórias de que, quando estava na Sierra Maestra, fuzilou um menino de 15 anos porque ele havia roubado uma lata de leite condensado.

Por outro lado, quando olhava para aquele homem, que eu recordava ter visto quando visitava Moscou ou quando visitava Mao Zedong na China comunista, aquele homem arrogante e alto, eu o via na forma em que estava: um homem destruído, parecia um mendigo, quase não tinha uniforme. Não tinha botas, tinha uns pedaços de couro amarrados aos pés. Realmente senti pena.

E há de se respeitar um soldado que se comportou com decência antes de morrer.

BBC - O que aconteceu entre o momento em que o senhor terminou a sua conversa com Che Guevara e o momento em que ele foi fuzilado?

Rodríguez - Eu entrei e saí várias vezes para conversar com ele. Houve um momento em que me chamaram e disseram: "Querem falar por telefone com o militar de mais alto escalão. Ordens superiores: 500-600".

Nós havíamos estabelecido um código muito simples: 500 era Che Guevara, 600 morto, 700 vivo. Pedi que repetissem outra vez, e me confirmaram: "500-600".

Logo depois, voltou o coronel Centeno, que estava à frente das operações. Chamei-o em separado e lhe disse: "Coronel, há ordens do seu governo de eliminar o prisioneiro. Agora, a ordem do meu governo é tentar mantê-lo vivo a todo custo. Nós temos aviões, helicópteros disponíveis para levá-lo ao Panamá para interrogatório".

BBC - Ou seja, não iam matá-lo?

Rodríguez - Creio que o interesse do nosso governo era porque eles sabiam das divergências entre Che Guevara e Fidel Castro, pelo seu alinhamento com a China comunista, e pensavam que, eventualmente, ele ia cooperar.

Mas o coronel me disse: "Sabemos que temos trabalhado com você, agradecemos muito a sua ajuda (...), mas são ordens do senhor presidente, o senhor comandante das forças armadas. Se eu não cumprir, sou posto para fora".

O coronel olhou para seu relógio e me disse: "Você tem até as 14h para interrogá-lo. Quero a sua palavra de cavalheiro de que, às 14h, você me trará o cadáver de Che Guevara. E pode executá-lo da maneira que quiser, porque sabemos dos danos que ele causou a sua pátria".

Então eu disse: "Coronel, tente fazê-los mudar de idéia, porque é importante. Mas, caso não haja uma contra-ordem, eu lhe dou a minha palavra que trarei o cadáver de Che".

BBC - O que aconteceu depois?

Rodríguez - Comecei a esperar para ver o que acontecia. Por volta das 12h30, chegou uma pessoa, uma mulher com um rádio portátil nas mãos, e me perguntou: "Capitão, capitão! Quando vão matá-lo?". Eu respondi: "Senhora, por que diz isso?". E ela me mostrou o rádio e disse: "No rádio estão dizendo que ele já morreu dos ferimentos em combate".

Quando ela me disse isso, eu já sabia que não havia uma contra-ordem, sabia que a decisão final já havia sido tomada pelo governo boliviano. Entrei na peça onde Che estava sentado, parei na sua frente e disse: "Comandante, sinto muito. Eu tentei, mas são ordens superiores".

Ele entendeu perfeitamente o que eu estava dizendo. Ficou branco como papel. Nunca vi uma pessoa perder a expressão do rosto como ele perdeu. Mas ele me disse: "É melhor assim, eu nunca deveria ter sido capturado vivo".

BBC - O senhor disse mais alguma coisa?

Rodríguez - Eu falei que poderia entregar uma mensagem para sua família, se ele quisesse mandar alguma mensagem. Ele disse, de forma sarcástica: "Bom, se você puder, diga a Fidel Castro que logo verá uma revolução triunfante na América".

Logo depois ele mudou de expressão e me disse: "E, se puder, diga a minha mulher que se case outra vez e que trate de ser feliz".

Foram suas últimas palavras. Me deu a mão, me abraçou, e parou, atento, pensando que fosse eu que iria atirar. Eu saí do local, que estava cheio de soldados. Lá estava o sargento Mario Terán.

BBC - O senhor falou com Terán?

Rodríguez - Eu disse: "Sargento, há ordens do seu governo para eliminar o prisioneiro. Não atire daqui para cima, atire para baixo, para que se pense que foram ferimentos de combate. Morreu dos ferimentos de combate". Terán respondeu: "Sim, capitão".

E saí de lá às 13h. Entre 13h10 e 13h20, ouviu-se a rajada de tiros.

Depois, me contaram que, quando ele (Terán) entrou, disse: "Che, venho falar com você". E Che respondeu: "Não seja filho-da-puta, sei que você veio me matar. Mas quero que saiba que vai matar um homem".

E então ele (Terán) atirou com uma carabina M2 automática.

BBC - E depois, o senhor cumpriu a promessa de entregar o cadáver de Che às autoridades da Bolívia?

Rodríguez - Bom, logo depois chegaram o capitão Gary Prado e o capitão Celso Torrelio, e nós entramos os três no quarto onde estava Che. O cadáver estava com o rosto sujo de lama, provavelmente se sujou ao cair no chão, que era de terra, de lama, úmido. Então um deles disse: "Acabamos com as guerrilhas da América Latina".

E eu disse: "Capitão, se não acabamos com elas, pelo menos conseguimos atrasá-las por muito tempo".

fonte: http://www.bbc.co.uk

20 de out. de 2008

A Igreja na Idade Média


A história da Igreja cobre um período de aproximadamente dois mil anos, é uma das mais antigas instituições religiosas em atividade, influindo no mundo em aspectos espirituais-religiosos, morais, políticos e sócio-culturais. Não poderíamos assinalar a Cristandade Medieval sem antes, rapidamente, marcar as primeiras comunidades cristãs. A Igreja Primitiva Era a Igreja formada pelos primeiros cristãos em áreas urbanas (forma organizada das cidades romanas), onde as transformaram (At 17,4). Todos continuavam firmes no ensino dos apóstolos, viviam em amizade uns com os outros, e se reuniam para as refeições e as orações. O melhor documento histórico para entendermos bem o período é o livro dos Atos dos Apóstolos, onde vemos como essas comunidades se desenvolveram, suas dificuldades nos arredores da Palestina e parte da Ásia menor. Ao ler At 2, 42-47, podemos perceber o dia-a-dia dos primeiros cristãos. Eles viviam em regime de comunhão de bens, se aplicavam também na Oração (sendo a força catalisadora para a mudança de vida  a oração precisa da razão, assim como a fé), a fração do pão (partilha do todo, segundo a necessidade de cada um – o “pão” – sendo visto como a totalidade da necessidade) e havia meditação na Doutrina dos Apóstolos (consideravam o estudo, a investigação e a reflexão para terem certeza daquilo que iriam acreditar). Sua atuação se dá em Atenas, Jerusalém, Éfeso, Corinto, Roma, Alexandria, Antioquia e Tessalônia. Os primeiros cristãos mudavam as cidades, mexiam com o sistema, eram intelectuais... Podemos dividir esse período em “Período Apostólico” (30-70 d.C), “Período Sub-apóstólico” (70-135 d.C) e “Período dos Mártires e da Institucionalização da Igreja” (135-313 d.C). O termo “Apóstolo” significa “enviado”, em grego. Missionários itinerantes, que tiveram contato com Jesus de Nazaré. Foram testemunhas oculares. Até o ano 100 d.C os cristãos ainda são bem desconhecidos. Os romanos os confundem com os judeus. Aos poucos, o cristianismo vai mostrando sua existência. Era o início da “Grande Igreja”. O Cristianismo nasceu e desenvolveu-se dentro do quadro político-cultural do Império Romano. Durante três séculos o Império Romano perseguiu os cristãos (época das perseguições), porque a sua religião era vista como uma ofensa ao estado, representava outro universalismo e proibia os fiéis de prestarem culto religioso ao soberano. Aos poucos se propagou em Roma e pelo império. As principais e maiores perseguições foram as do imperador Nero, no século I (morte de Paulo, Pedro), a de Décio no ano 250, a de Valeriano (253-260) e a maior, mais violenta e última a de Diocleciano entre 303 e 304 que tinha por objetivo declarado acabar com o cristianismo e a Igreja. O balanço final desta última perseguição constituiu-se num rotundo fracasso, Diocleciano, após ter renunciado, ainda viveu o bastante para ver os cristãos viverem em liberdade. No século IV, o Cristianismo começou a ser tolerado pelo Império, para alcançar depois um estatuto de liberdade e converter-se finalmente, no tempo do imperador Teodósio (379-395), em religião oficial do Estado (380). O imperador romano, por esta época, convocou as grandes assembléias dos bispos, a saber, os concílios e a Igreja puderam então dar início à organização de suas estruturas territoriais. • O Concílio de Jerusalém (49 d.C) - Ele seria o marco definitivo da ruptura do judaísmo com o cristianismo. A admissão de gentios (não-judeus) era um fato de difícil compreensão para os cristãos-judeus, que ainda se encontravam em parte presos às velhas tradições e práticas antigas. Foi presidido pelo Apóstolo Pedro. Seria o Concílio de Jerusalém, o primeiro deles. Assim foi aceito o batismo de não-judeus. “A salvação é pela fé e pela graça, não pela observância da Lei” (At 15:7-11). • Início do Monaquismo (séc. IV) - A Cristandade instrumentaliza a Igreja pelo Estado até um determinado ponto. Alguns bispos e os ascetas (eremitas) percebem esse perigo da “mundanização da Igreja”, pois o imperador está “na Igreja e não acima da Igreja” (Santo Ambrósio, bispo de Milão). Eremitas (Latim) / Anacoretas “ir para” (Grego) / Mônacos (Grego)  pessoas solitárias que fugiam do convívio das cidades e aldeias e iam para as margens do deserto. Esses bispos escrevem textos assinalando fronteiras, pois a igreja está no mundo, mas não é o mundo. Ela podia ser protegida pelo Estado, mas não queriam pagar com a sua submissão perante ele. Ela não é poder político. Primeiramente esse movimento é considerado “anárquico”, pois ele se automarginalizou, contudo, foi recuperado pela Igreja e deixou de ficar a margem. A Cristandade Medieval
Em meio à desorganização administrativa, econômica e social produzida pelas invasões ou migrações germânicas e ao esfacelamento do Império Romano, praticamente apenas a Igreja Católica, com sede em Roma, conseguiu manter-se como instituição. Vemos os Vândalos na África, os Visigodos na Hispania, os Francos na Gália, os Anglos e Saxões nas Ilhas Britânicas, os bárbaros na Itália. Consolidando sua estrutura religiosa, a Igreja foi difundindo o cristianismo entre os povos bárbaros, enquanto preservava muitos elementos da cultura greco-romana. Valendo-se de sua crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer importante papel em diversos setores da vida medieval, servindo como instrumento de unificação, diante da fragmentação política da sociedade feudal. O termo católico (adjetivo grego que significa “Universal”) é usado a partir do Concílio de Trento (1545 - 1563) para designar a Igreja Romana em oposição às Igrejas da Reforma. Antes, o termo utilizado era Cristandade. • Periodização A Idade Média (Medium Aevum ou Middle Age)  Termo usado para o período situado entre a Antiguidade e a Idade Moderna. Conceito estipulado no período do Renascimento (XVI) volta do somente para a região da Europa Ocidental, ou seja, não há Idade Média na África, Japão, China... Tem como marco inicial o ano de 476 d.C (fim do Império Romano no Ocidente – tomada de Roma, pelo imperador germânico Odoacro) e tem seu término no ano de 1453 d.C (Fim do Império Romano no Oriente - Tomada de Constantinopla pelos Turcos Otomanos). Suas características, entretanto, nunca foram às mesmas no tempo ou no espaço, pois não havia unidade nesse período. É preciso dizer o contexto específico. O período está dividido em: Alta Idade Média (séc. VI - X), Idade Média Central (séc. XI - XIII) e Baixa Idade Média (séc. XIV e XV). Há até hoje um forte preconceito sobre este período, tomado como “Idade das Trevas”, “Escuridão”, de “Pestes e Guerras”, não havia “cidades, nem comércio”, dentre outros adjetivos. Contudo, deve ser levado em consideração que num período de mil anos, não houve apenas pestes, guerras..., Temos que ter um olhar consciente: Nesse período houve a criação das Universidades, da letra minúscula, Parlamento, Hospitais, Tribunal com Júri, aperfeiçoamento da Matemática, geografia, escrita... Devemos estudá-la sem preconceitos, com um olhar crítico e consciente. • A Cristandade Entende-se Cristandade por um sistema de relações da Igreja e do Estado (ou qualquer outra forma de poder político) numa determinada sociedade e cultura. Ela perdura até praticamente a Revolução Francesa (1789), com várias modalidades dentro desse processo através dos séculos. Na história do cristianismo, o sistema iniciou-se por ocasião da Pax Ecclesiae em 313 (paz concedida pelo imperador Constantino à Grande Igreja), com o Edito de Milão (põe fim às perseguições) e deu origem à primeira modalidade de Cristandade dita “constantiniana” a qual se apresenta como um sistema único de poder e legitimação da Igreja e do Império tardo-romano. As características gerais desta modalidade “constantiniana” são, entre outras, o cristianismo apresentar-se como uma religião de Estado, obrigatória, portanto para todos os súditos; a relação particular da Igreja e do Estado dar-se num regime de união; a religião cristã tender a manifestar-se como uma religião de unanimidade, multifuncional e polivalente; o código religioso cristão, considerado como o único oficial, ser, todavia diferentemente apropriado pelos vários grupos sociais, pelos letrados e iletrados, pelo clero e leigos. A figura ao lado é o “Monograma de Cristo”, da época de Constantino. Ele é formado por duas letras entrelaçadas, as letras gregas "chi" (X) e "rô" (P). Essas letras são as iniciais de "Christós", em grego: CRISTOS” • Os Padres da Igreja Os tempos de ouro da Patrística foram os séculos IV e V, embora possa se entender que se estenda até o século VII a chamada "idade dos Padres". Os principais Pais do Oriente foram: Eusébio de Cesaréia, Santo Atanásio, Basílio de Cesaréia, Gregório de Nisa, Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo e São Cirilo de Alexandria. Os principais Padres do Ocidente são: Santo Agostinho, autor das "Confissões", obra prima da literatura universal e Santo Ambrósio, Eusébio Jerônimo, dálmata, conhecido como São Jerônimo que traduziu a Bíblia diretamente do hebraico, aramaico e grego para o latim. Esta versão é a célebre Vulgata, cuja autenticidade foi declara pelo Concílio de Trento. Outros pais que se destacaram foram São Leão Magno e Gregório Magno, este um romano com vistas para a Idade Média, as suas obras "os Morais e os Diálogos" serão lidas pelos intelectuais da Idade Média, e o canto "gregoriano" permanece vivo até os dias de hoje. Santo Isidoro de Sevilha, falecido em 636, é considerado o último dos grandes padres ocidentais. • A Cristandade Medieval A Cristandade medieval ocidental é, em certa medida, a continuadora da Cristandade antiga, a do “Império Cristão” dos séculos IV e V. No contexto medieval, acentuou-se muito mais a situação de unanimidade e conformismo, obtida por um consenso social homogeneizador e normatizador, consenso este favorecido pela constituição progressiva de uma vasta rede paroquial e clerical. As instituições todas tendiam, pois, a apresentar um caráter sacral e oficialmente cristão. Sabemos que nela predominou, em geral, a tutela do clero. Não, todavia durante os séculos IX e X, quando a tutela dos leigos sobre as instituições eclesiais a levou à sua feudalização, o que provocou a partir do século XI, o grito dos reformadores, sobretudo eclesiásticos: libertas Ecclesiae. Ocorreu então a reforma “gregoriana”, no século XI, que operou a síntese de uma reforma na e da Igreja, de uma reforma “na cabeça e nos membros”. • Alguns Fatos Históricos Relevantes - A Distinção Gelasiana (494)  O Bispo de Roma, “Papa” Gelásio I (492-496) efetuou a distinção entre o poder temporal dos imperadores e o espiritual dos papas, considerando superior o poder destes últimos. Envia um documento ao imperador do Oriente (Anastácio).Definiu a teoria dos dois poderes: o poder temporal (poder do imperador) e o poder espiritual (poder dos bispos). Os bispos, de acordo com essa teoria, seriam superiores ao poder temporal. Estabelecido ainda que a figura do papa não poderia ser julgada por ninguém. Dizia que o papel do Pontífice era antes ouvir do que julgar. - As Heresias – Define-se como negação ou dúvida pertinaz de uma verdade que se deve crer com fé divina e católica, por quem recebeu o batismo. Ao longo da história da Igreja vemos: O Gnosticismo (séc. II); Maniqueísmo (séc. III); Arianismo (séc. IV); Pelagianismo (séc. V); Iconoclastas (séc. VIII); Cátara e valdense (séc. XII-XIII); Protestantismo e Anglicanismo (séc. XVI); Jansenismo (séc. XVII); Modernismo (séc. XIX). O relativismo doutrinal e moral é tido como a grande heresia atual. O rigor da Igreja no combate às heresias e cismas variaram ao longo dos tempos, com períodos de grande repressão, sobretudo quando tais desvios eram cominados com penas graves pelo poder político. - Os Mosteiros – Vemos com São Bento de Nursia (529), uma retomada e revigoramento dos mosteiros. Os ermitões (Ermo - desertos), atuavam sozinhos e passam a se organizar em pequenos grupos. São Bento traça uma regra, dando uma forma a vida monástica, a qual passa a ser copiada em outros mosteiros. O dia do monge é dividido em 7 momentos de oração, mais o trabalho manual (penitência), produz seu alimento. “Ora et Labora”. Não é necessário buscar mosteiros distantes, mas se santificar com aqueles que convive. Deu forma ao monasticismo medieval. Ao longo da Idade Média vemos que os mosteiros preservam as escrituras sagradas, tornam-se refúgio, guardam as obras de arte e cultura... - Fragmentação do Império Romano no Ocidente  Com as migrações germânicas e a queda do Império Romano no ocidente (476) os bispos começam a buscar a unificação. Apelam para a elite romana “Romanitas”, que passam a defender os valores cristãos. Os reis bárbaros vão se convertendo ao longo dos anos. Vemos a ação do papa Gregório I, o Magno (590-604) assinala que “todo o poder foi dado ao alto aos meus senhores para ajudar os homens a fazer o bem”. Assim os bispos e o Imperador e os reis têm a função de ajudar o bem e punir o mal. Primeiro papa monge, intitulava-se Servidor dos Servidores de Deus. Aproveitou-se da falência imperial na Itália para assumir o poder temporal. Desligou-se da influência bizantina e aproximou-se dos germânicos. Visigodos, suábios e lombardos se converteram. Agostinho foi à Inglaterra e converteu os anglo-saxões. Os escritos de Gregório Magno instruíram o clero e fortaleceram a religiosidade dos fiéis. Sua Regra Pastoral serviu de manual para os padres em toda a Idade Média. - As Cruzadas - Atendendo ao apelo do papa Urbano II, em 1095, foram organizadas na Europa expedições militares conhecidas como cruzadas (esses missionários assim se chamavam pela cruz de pano que levavam na veste), cujo objetivo oficial era conquistar os lugares sagrados do cristianismo (Jerusalém, por exemplo) que estavam em poder dos muçulmanos e turcos. Entretanto, além da questão religiosa, outras causas motivaram as cruzadas: a mentalidade guerreira da nobreza feudal, canalizada pela Igreja contra inimigos externos do cristianismo (os muçulmanos); e o interesse econômico de dominar importantes cidades comerciais do Oriente. Os cristãos eram estimulados pelas indulgências que lhes prometiam o perdão dos pecados e a posse do céu. De 1095 a 1270, a cristandade européia organizou oito cruzadas, tendo como bandeira promover guerra santa contra os infiéis. Era a guerra santa, justa, pois eles estavam difamando o santo sepulcro, a terra santa. Foram, ao todo, oito grandes incursões. Vemos a Cruzada Popular ou dos Mendigos (1096), Primeira Cruzada (1096-1099), Segunda Cruzada (1147-1149), Terceira Cruzada (1189-1192), Quarta Cruzada (1202-1204), Cruzada Albigense, Quinta Cruzada (1217-1221), Sexta Cruzada (1228-1229), Sétima Cruzada (1248-1250), em março de 1270, o rei Luís IX, São Luís, decide organizar uma nova cruzada - Oitava Cruzada (1270), a qual fracassa e ele morre em combate. - Querela das Investiduras - A Questão das Investiduras refere-se ao problema de a quem caberia o direito de nomear sacerdotes para os cargos eclesiásticos, ao papa ou ao imperador. No século X, o imperador Oto I, do Sacro Império Romano Germânico, iniciou um processo de intervenção política nos assuntos da Igreja a fim de fortalecer seus poderes. Fundou bispados e abadias; nomeou seus titulares (abades leigos) e, em troca da proteção que concedia ao Estado da Igreja, passou a exercer total controle sobre as ações do papa. Durante esse período, a Igreja foi contaminada por um clima crescente de corrupção, afastando-se de sua missão religiosa e, com isso, perdendo sua autoridade espiritual. As investiduras (nomeações) feitas pelo imperador só visavam os interesses locais. Os bispos e os padres nomeados colocavam o compromisso assumindo com o soberano acima da fidelidade ao papa. No século XI surgiu um movimento reformista, visando recuperar a autoridade moral da Igreja, liderado pela Ordem Religiosa de do mosteiro de Cluny (França). Esses ideais foram ganhando força dentro da Igreja, culminando com a eleição, em 1073, do papa Gregório VII, antigo monge daquela ordem reformista. - A Reforma Gregoriana (Século XI) – Os papas escolhidos passam a ser de origem germânica (monges), logo os papas romanos saem de cena, pois os primeiros não teriam parte com a política local. Com isso as reformas têm inicio com esses papas de origem monástica, com amplas mudanças de cima para baixo, hierarquizada, uma reforma das instituições. Hildebrando, reformador ligado ao movimento de Cluny, tinha acesso ao papa e, sob sua influência, Nicolau II criou em 1059 o Colégio dos Cardeais, com finalidade de eleger o papa, limitado o cesaropapismo. Primeiro, há uma reforma do clero, contra os abusos existentes, das instituições (reforma da Igreja). Também havia a necessidade da mudança dos corações, dos pensamentos (reforma na Igreja). A reforma viria do papado, passaria pelos bispos, presbíteros e monges até chegar aos leigos. Esse espírito de reforma foi lento e progressivo, aos poucos, vemos os abusos sendo retirados. Em 1073, Hildebrando foi eleito papa, com o nome de Gregório VII. Instituiu totalmente o celibato dos sacerdotes, em 1074, e proibiu que o imperador investisse sacerdotes em cargos eclesiásticos, em 1075. O Imperador alemão Henrique IV reagiu dando o papa como deposto. Desenvolveu-se, então, um conflito aberto entre o poder temporal do imperador e o poder espiritual do papa. O papa considerou o imperador igualmente deposto, excomungando-o, e proibindo os vassalos de lhe prestar serviço, sob pena de excomunhão. Há uma interdição (sem batismos, sem eucaristia, sem extrema unção). Henrique foi ao Castelo de Canossa em 1077 e pediu perdão ao papa, que o concedeu. Esse conflito foi resolvido somente em 1122, pela Concordata de Worms, assinada pelo papa Calixto III e pelo imperador Henrique V. Adotou-se uma solução de meio termo: caberia ao papa a investidura espiritual dos bispos (representada pelo báculo), isto é, antes de assumir a posse da terra de um bispado, o bispo deveria jurar fidelidade ao imperador. - Hospitalários (Ordem dos) - O ideal cavalheiresco da Idade Média levou à criação de várias instituições de apoio aos doentes internados, ordem leiga de caráter assistencialista (1113), hospital para os peregrinos que vinham feridos e cansados. - Os Templários - Ordem fundada em França (1119) para lutar contra os infiéis. O nome veio-lhes da casa que tiveram em Jerusalém sobre as ruínas de uma mesquita (cavaleiros da Ordem doTemplo). Fazem votos dados pelo patriarca de Jerusalém. Em 1129, vê-se a implantação militar. Prestaram notáveis serviços na Terra Santa e no Sul da Europa, chegando a ter 5 províncias e 4000 membros. É oficializada em 1199. As benesses recebidas de reis e papas deram-lhes grande poder financeiro, o que levou Filipe o Belo, rei de França, a acusá-los, com a conivência da Inquisição, de crimes graves, obrigando o Papa (Clemente V) a suprimi-los. Muitos foram mortos. Os seus bens, em França, foram confiscados pelo rei; em Portugal, passaram para a Ordem de Cristo, fundada por D. Dinis. - Cisma do Ocidente (1378-1417) - resultante da coexistência de papas e antipapas, fruto de rivalidades dentro e fora da Igreja. Não há um “cisma” de fato, pois o que se dividiu é a obediência a dois papas e não à obediência eclesial. Após a morte do papa Gregório XI, há um conclave com 16 cardeais e depois de muitas dificuldades elegem um italiano, Urbano VI. Ele era intransigente, rude, indelicado e os cardeais assinalam que querem rever a decisão e pedem a sua renúncia. Ele rejeita. Grande parte dos cardeais vão para Nápoles e realizam novo Conclave, elegendo Clemente VII. A Igreja passa a ter “dois papas”. Eles ficam em Avinhão (França). A obediência fica dividida, ambos governando. Estados que apoiavam Urbano VI (Escandinávia, Flandres, Inglaterra, o Imperador e a maioria dos príncipes) usam a força para destituir Clemente VII (apoiado pelos parentes do rei da França Carlos V, Escócia, Castela), como uma cruzada. Essa seria a “Via Facti”. Os reis, os prelados, os párocos, as ordens religiosas tomam partido e ajudam nessa adesão de obediências. Em 1394, morre Clemente VII e é eleito Bento XIII. Também morre Urbano VI e é eleito Gregório XII. Continuam dois papas a governar. Em 1409, os dois grupos buscam uma via conciliar para resolver a situação, com o Concílio de Pisa, destituem os dois papas e elegem Alexandre V (com a maior parte das Ordens Religiosas decididas a fazer uma inteira reforma na Igreja). Os dois papas não aceitam e a igreja passa a ser governada por 3 papas. Alexandre V morre e é eleito João XXIII (nome depois cancelado e renascido somente no século XX - e já no ano seguinte tomou posse da catedra romana). Apenas em 1417, vemos uma solução: João XXIII se demite, Gregório XII abdica e Bento XIII é deposto e se isola na Catalunha, sem apoio. Martinho V (1417-1431) é eleito e traz a unicidade novamente. Retorna para Roma. Em 1439, ainda teríamos o antipapa Félix V, contudo, não avança tal fato. - A Inquisição - Tribunal eclesiástico para averiguar e julgar os acusados de heresia. A sua instituição jurídica data de 1232 (Inquisição Medieval), pelo papa Gregório IX, para disciplinar as freqüentes práticas persecutórias da parte do povo e dos príncipes, muitas vezes sob a forma de linchamentos. No séc. XI apareceu uma heresia fanática e revolucionária, como não houvera até então: o Catarismo (do grego katharós, puro) ou o movimento dos Albigenses (de Albi, cidade da França meridional, onde os hereges tinham seu foco principal). Em geral, a Inquisição quando condenava um herege entregava-o ao braço secular, para lhe aplicar o castigo previsto nas respectivas leis e costumes, incluindo a morte na fogueira. A Igreja aplicava a condenação espiritual, “no outro mundo”. O seu funcionamento dependia muito dos inquisidores, que eram normalmente dominicanos, alguns deles elevados às honras dos altares (como S. Pedro de Verona, morto às mãos dos Cátaros). Devem reconhecer-se, além da crueza própria dos costumes de então, verdadeiros abusos e injustiças (como a condenação dos Templários e de Sta. Joana de Arc). Ficou também célebre a condenação (sem execução) de Galileu. Nos sécs. XV-XVI, a Inquisição foi reorganizada para enfrentar a heresia protestante, em geral, a pedido dos príncipes católicos. Em Espanha foi autorizada em 1478, em moldes que a fazia depender muito do poder civil. Em Portugal teve acuação moderada desde o séc. XIV, mas só se tornou particularmente rigorosa com D. Manuel I e D. João III, pelas medidas discriminatórias contra judeus e cristãos-novos. A Inquisição é inconcebível para a atual mentalidade, mas a sua correta apreciação deve ter em conta os tempos em que vigorou, em que a heresia era sentida como perigo grave para a unidade da Igreja e do Estado, e em que as penas aplicadas eram comuns no direito corrente dos povos. A Igreja aplicava as penas espirituais (na outra vida), tais como a excomunhão. Os condenados pela inquisição eram entregues às autoridades administrativas do Estado, que se encarregavam da execução das sentenças. As penas aplicadas a cada caso iam desde a confiscação de bens até a morte em fogueiras. A intervenção do poder secular exerceu profunda influência no desenvolvimento da inquisição. As autoridades civis anteciparam-se na aplicação da forma física e da pena de morte aos hereges; instigaram a autoridade eclesiástica para que agisse energicamente; provocaram certos abusos motivados pela cobiça de vantagens políticas ou materiais. De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade Média estavam, ao menos em tese, tão unidos entre si, que lhes parecia normal recorrer um ao outro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. Quanto a Inquisição Papal instituída no séc. XVI era herdeira das leis e da mentalidade da lnquisição medieval. Os países ibéricos (Portugal e Espanha) foram os grandes difusores do Santo Ofício, principalmente no Novo Mundo.

Revolta da Vacina


O Brasil do alvorecer do século XX estava infestado de moléstias e epidemias. A miséria e a total falta de higiene apresentavam-se como uma bomba preste a explodir nos cortiços improvisados onde residentes da classe baixa empilhavam-se. Ninguém escapava às mortíferas “senhoras”: peste bubônica, varíola e a febre amarela. Nem mesmo o filho do então presidente Rodrigues Alves. Então o pai resolveu contra-atacar. Dentre as medidas, realce para a vacinação obrigatória contra a varíola. A população, por sua vez, reagiu com veemência nas ruas do Rio de Janeiro. A primeira vista tudo parecia surreal. Por que o povo protestaria contra algo que visa à erradicação de uma perigosa enfermidade? Em 1902 a capital federal, Rio de Janeiro, representava um país atrasado e um estado com vista turva quando o assunto era política social. À imensa população desamparada, somavam-se numerosas levas de imigrantes, incentivados a vir ao Brasil para servirem de mão de obra – em condições sofríveis – nas plantações paulistas de café. Nas ruas acanhadas do Rio de Janeiro as epidemias fluíam assustando os navios, que preferiam seguir direto para Buenos Aires. Tal situação incomodava os cafeicultores e mesmo os líderes políticos da época, sedentos por atraírem mais imigrantes e, consequentemente, mais mão de obra prosaica. As elites – demasiadamente consideradas pelo poder público nas primeiras décadas do século XX – por sua vez, não escondiam o constrangimento de viverem num ambiente tão diferente das avenidas européias, especialmente as francesas. É nessa capital – de beleza natural lendária – que o paulista Rodrigues Alves, assume a Presidência da República. Como era de se supor, Alves era um rico cafeicultor. Já havia “passeado” pelo Ministério da Fazenda nos governos de Floriano Peixoto e Prudente de Moraes e também foi gestor de São Paulo, onde ensaiou sua obsessão por reurbanização, abrindo avenidas e construindo redes de esgotos. Agora era a sua vez de ser alçado ao palácio pelos conchavos entre mineiros e paulistas. Junto à Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro, Alves deu início à revolução urbana da cidade maravilhosa, mas não sem antes estreitar a dependência do Brasil com a Inglaterra, após contrair um empréstimo de oito milhões de libras. Oswaldo Cruz A pressa foi uma das marcas da reconstrução da cidade. A outra foi à insensibilidade com os moradores humildes da região. Completamente indiferente às classes baixas, o projeto tinha como principal meta a construção da “afrancesada” Avenida Central (posteriormente rebatizada de Avenida Rio Branco), iniciada em 29 de fevereiro de 1904. Sem nenhuma reparação, uma considerável leva de residentes miseráveis foi varrida do centro do “novo” Rio de Janeiro, que começava a surgir numa área limitada. Os novos imóveis, que margeariam a moderna avenida, deveriam antes passar pelo crivo de uma bancada de “ilustres” da sociedade de então. Dentro de meses a classe alta da capital poderia passear orgulhosa no belo bulevar tropical. Além da Avenida Central, fora reformada a rua do Ouvidor e construída a avenida Beira-Mar. Dentro da meta de “civilizar” o centro administrativo do país, proposto por Rodrigues Alves, faltava o combate às enfermidades imundas e impertinentes que fustigavam a urbe. Aqui que entrou em cena o então desconhecido Oswaldo Cruz, com sua obstinação permeada por lances autoritários, visando alcançar os seus objetivos. Nascido em 1872, na pequena São Luís do Paraitinga (SP), formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1896. No Instituto Pasteur em Paris, tornou-se discípulo do sanitarista Émile Roux, que o indicou para o governo brasileiro. Em 1902, de volta ao Rio, assumiu a direção do Instituto Soroterápico Federal, que mais tarde receberia o seu nome. No ano de 1903 é nomeado Diretor de Saúde Pública com “liberdade de ação”. Pela frente, a peste e a febre amarela, com seus ratos e mosquitos, respectivamente. Foram criados batalhões mata-mosquitos com a intenção de pulverizarem locais de risco. Foi o suficiente para a imagem de Cruz tornar-se freqüente nas ilustrações de caricaturistas da época. Contudo, foi no combate a varíola que os achincalhamentos evoluíram. Com a medida rígida de se vacinar maciçamente a população, por meio da obrigatoriedade – aprovada pelo congresso no fim de outubro de 1904 – foram estipuladas multas e restrições aos infratores, causando maiores reações. O Atestado de Vacinação passou a ser exigido trivialmente, desde a obtenção de um emprego público ao casamento. A falta de habilidade do governo no tratamento da rejeição popular à medida defendida por Oswaldo Cruz agravou a situação. Para se ter idéia da repressão oficial basta citar o episódio do dia 10 e novembro, quando um orador foi preso no palanque por pregar contra a vacina. Após uma série incontável de medidas arbitrárias da república “Café com Leite” (modo como foi apelidada a era das administrações oligárquicas de 1894 a 1930), tornou-se mais fácil enxergar o estado com desconfiança. Entre os dias 11 e 14 de novembro a massa enfurecida saiu às ruas do artificializado centro do Rio de Janeiro deixando um rastro de “postes envergados (...), vidros fragmentados (...), paralelepípedos revolvidos (...), destroços de bondes quebrados e incendiados (...)” e “vestígios de barricadas feitas pela multidão agitada”, proclamou em tom assustado o Jornal do Commercio de 15 de novembro de 1904. O mesmo jornal relatou casos de mortes durante a revolta. “(...) Um robusto homem de cor, que vestia calça e camisas pretas, achava-se do alto, numa pequena janela, atirando. Ali o alcançou uma bala de carabina que lhe varou o crânio, prostrando-o instantaneamente morto”. É também relatada a história de um menino de 12 anos que, “(...) chegou à janela na ocasião do conflito e logo foi morto por um tiro que lhe varou a carótida”. A vacinação foi suspensa. Diante das manifestações descontroladas, Tânia Maria Fernandes em seu livro Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens – 1808 – 1920, faz saber, “Oswaldo Cruz tinha como característica não se pronunciar publicamente e assim se manteve mesmo diante de todas as críticas sobre sua conduta frente à higiene. Sua resposta ao episódio da revolta da vacina foi colocar o cargo à disposição do Ministro do Interior J. J. Seabra (...)”. No dia 15 de novembro, quando se deveria comemorar o aniversário da proclamação da República brasileira, cadetes positivistas da Escola Militar de Praia Vermelha aderiram oportunamente ao movimento popular. Desejavam reassumir o controle da nação, perdido para os cafeicultores desde 1894. Todavia, essa rebelião, especificamente, foi debelada e Lauro Sodré – Tenente coronel que seria agraciado com o cargo presidencial – terminou ferido e preso; sorte menos infeliz que as dos 200 cadetes mortos no levante. O que ocorreu a seguir foi a decretação de estado de sítio de um mês, adicionado às invasões bestiais de tropas governamentais a favelas e cortiços miseráveis, onde foram presos, praticamente à revelia, diversos indivíduos. Muitos desses foram exilados no longínquo Acre, então recém-anexado ao Brasil. A vacinação foi restaurada e, dentro de meses, a varíola foi erradicada da capital federal. Oswaldo Cruz consagrou-se. Convidado a atuar em outras localidades, entrou para a história da ciência em solo tupiniquim. Rodrigues Alves concluiu o mandato, assumiu novamente o posto de governador de São Paulo em 1912 e tornou a eleger-se presidente da república. Alves, entretanto, não chegou a tomar posse. Ironicamente acabou vítima de uma nova e assombrosa epidemia, a gripe espanhola. Morreu em 16 de janeiro de 1919, no Rio de Janeiro “devidamente” urbanizado, porém, indevidamente humanizado.